domingo, 17 de maio de 2009


estou pensando alto para que você me escute. e falo devagar, como quem escreve, para que você me transcreva sem precisar ser taquígrafa, você está ai?



(chico buarque)

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à espera do poeta

sexta-feira, 15 de maio de 2009


Olha, vou logo colocando aqui os pontos nos 'i(s)', acho que porque não estou pra muita conversa hoje. Ando com uma sensação meio fatigada, de quem ouve tudo e não diz nada. São sábias as pessoas que sentem e calam, são meio burras aquelas ouvem e calam.
Não falo isso por nada, apenas deu vontade de falar.
Meu nome é Eduardo e naquele tempo, como dizem por ai, andava meio cansado da rotina de cidade pequena. Já havia pensado em escrever um livro, tinha pegado todos os papéis, separado algumas frases de livros que gosto, já pronto pra começar...só não sabia ainda por onde. Não sabia qual iria ser seu início, meio ou fim. Mas sabia que tinha tanta coisa dentro de mim pra falar, tanta história sem pé nem cabeça que escutava e transformava dentro de mim, no que chamam de obra literária. Queria mesmo era ser escritor, mas como já disse morava numa cidade pequena onde todo mundo sabia da vida de todo mundo e lá era o que eu chamava de meu inferno particular. Se eu for uma pessoa muito ruim nessa vida e depois de morto Deus julgar que eu devo ir pro inferno, então ele vai me jogar de novo nessa cidade. Quando era pequeno, fui um dos primeiros de minha classe a aprender a ler e a escrever e ficava ali o tempo todo com o papel na mão, no começo eu desenhava muito, pensei até em seguir carreira de pintor, mas desisti depois que vi minha mãe tirando meus desenhos pendurados na parede e comentando que aquilo destruía com a pintura. Quando ganhei mais intimidade com as palavras, através dos livros que ganhava do meu avô, entre eles Machado de Assis, Euclides da Cunha, Graciliano Ramos, a partir daí fui engolindo cada palavra que lia e comecei a criar dentro de mim histórias de várias outras histórias. Ouvia alguém falar algo em casa e já imaginava dentro de mim, era o melhor em Redação no colégio, deixava para trás todos aqueles guris encapetados. Não era muito de sair pra festas, me contentava com uns livros, uns cadernos com algumas anotações, um filmes antigos na tv e pronto, estava feliz. Era o meu céu dentro daquele inferno. Mas claro que nem tudo era aquela reclusão da vida social da pequena cidade. Sabe o que eu gostava mesmo? Das 17:30 da tarde. Ah, eu pegava minha máquina fotográfica e ia para a beira do rio...e ficava ali sentado, pensando, fazendo planos, quando me apaixonei de verdade levei minha namorada pra lá, onde tive a melhor tarde de todas as minhas 17:30. Mas chega a ser engraçado, porque eu não gosto muito das 18:00! E não ria! Existe muita diferença entre uma meia hora, assim como o céu muda logo de cor, muita coisa pode acontecer...
Voltando ao assunto principal.
Queria porquê queria ser escritor! Fiquei bestificado quando li a biografia de Machado de Assis, um gênio, pensei comigo mesmo. Se ele consegue eu também consigo. Claro que minha mãe não ficou lá muito feliz, fez de tudo para mudar minha cabeça, e eu queria me mudar pra cidade grande, queria ir pra São Paulo seguir carreira. Mas ela me fez prometer que eu ia estudar Direito lá também, assim se por acaso uma coisa não desse certo, a outra certamente deveria dá.
Confesso, que nunca achei que tivesse muita vocação jurídica. Mas também confesso que às vezes a gente se engana, a gente também pode aprender a ter uma vocação e acabei pegando gosto pelas Leis. Não, não. Não abandonei meu sonho. Nesse meio tempo, entre a faculdade de Direito fiz contatos importantes com jornalistas, frequentava as rodas literárias, conheci pessoalmente Vinícius de Moraes, Clarisse Lispector, que beleza aquela mulher! Todos me incentivavam muito, acreditavam em minhas idéias. Eu ia escrevendo alguma coisa ali, alguma coisa aqui, mas sempre que sentava para escrever o livro, pronto! Engasgava tudo. História em cima de história e acabava que não saía velharia nenhuma. Quase desisti. Mas continuei escrevendo para jornais importantes, acabei a faculdade de Direito, até comprei uma casa nova para minha mãe lá na nossa cidadezinha onde ela espalhava toda prosa pra quem quisesse ouvir que seu filho era um grande homem, um ótimo filho. Eu? Claro, adorava escutá-la falando aquilo. Sempre fui muito vaidoso, só com meus textos que não, sempre mantive um pé atrás, ajeitava uma coisa aqui outra ali, nunca estava perfeito... e tinha que estar perfeito. Certa vez, quando voltei a minha cidade natal, aquele inferno habitual, encontrei o meu antigo amor. O único, aliás. E por ter me apaixonado apenas uma vez, por ter tido outras mulheres e nunca esquecido aquela mulher que me fazia sonhar noites inteiras acordado, eu acho bobagem essa história que nós nos apaixonamos e desapaixonamos. Ou se ama ou não se ama e só. As pessoas que complicam demais, fazem de tudo um jogo e acabam sem amor e sem se achar. Pois bem, eu lá na cidade encontrei com ela, e tive aquele amor à primeira vista de novo, amor quando é amor mesmo, fica assim guardado, figiado e é enfim, achado por seu dono natural. Eu encontrei ela e ela me encontrou. Pra encurtar a história, acabou que tudo deu em casamento. Mamãe não sabe e nem os pais dela, mas quando casamos ela já estava esperando nosso filho. Que meses divinos foram aqueles em que ela estava esperando nosso querido João. Ai sim, eu sentei e comecei a escrever meu livro, tinha inspiração, tinha tempo, tinha amor e tinha vida. Se bem que mesmo se eu não tivesse nada, mas tivesse amor, eu também conseguiria escrever meu livro. Poetas são assim, sempre à espera de um amor de esquina. Meu livro fez sucesso, vendeu bastante, recebeu boas críticas, mas mesmo que não tivesse sido assim, ficaria tudo muito bonito para a posteridade e eu poderia morrer feliz por ter conseguido o que queria. Nunca traí minha mulher, ela era muito apegada a mim. Às vezes, quando eu me demorava no trabalho, ela ficava sentada na varanda dando de mamar para o João e não dormia até que eu chegasse. Tive uma ótima vida ao lado dela, nosso filho cresceu bonito. Tivemos mais dois: o Leonardo e o Caio. Depois dos filhos grandes, eu e minha esposa tínhamos muito tempo livre, íamos à praia, subíamos a serra, viajávamos. Já com mais idade, nós dois, um belo dia estávamos para dormir na nossa casa quando ela virou para mim e disse sussurrando no meu ouvido um 'eu te amo'. Eu sorri e ela se aconchegou perto de mim. E ali dormimos. Quando acordei, ela ainda não tinha acordado. E nunca mais acordou.
Hoje quando volto do trabalho, fico um tempo dentro do carro lembrando do tempo em que ela me esperava na varanda, com uma cara meio emburrada por eu estar voltando tarde, mas mesmo assim, continuava graciosa com aquele bebê no colo. Quando estou na cama, lembro do seu cheiro impregnado nos lençóis, no corredor, na cozinha, na sala, em mim. Trabalho só meio período porque já estou para me aposentar, volto pra casa, leio uns livros, escrevo um pouco. Escrevi outro livro, o qual dediquei a ela. Mas esse não fez muito sucesso, para mim não importa, vai ficar bonito pra posteridade. E quanto a mim? Gosto de folheá-lo e imaginá-la lendo para mim todos aqueles contos sobre nossa vida juntos. Foi uma bela vida!
Também morre-se de amor. Eu estou morrendo. Hoje, já na velhice, comprei uma casa na minha antiga cidade, na beira do rio, onde tive com ela os nossos primeiros momentos e ali, acompanhado dos meus livros, filmes, papéis, vou esperar a morte ir chegando devagar.
Um dia, arrumando umas coisas velhas, encontrei dentro de uma caixa, várias fotos dos meus filhos, da minha mulher e lá no fundo havia um bilhete dobrado, onde havia escrito um ABRA bem grande. Quando abri, as lágrimas me vieram aos olhos: 'Meu querido, é engraçado como dentro de uma caixa coube uma vida inteira e saiba que para toda a eternidade eu estarei sentada na varada à espera do poeta.'

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