divã

terça-feira, 14 de abril de 2009


Costumavam chamá-la de Mel. Assim como o nome ela era uma menina muito meiga e doce, ao menos para os que a viam de perto, que conviviam com ela. Para o resto, bastava alguns palavrões e pronto já tava de bom tamanho.
Aquele era um dia diferente dos outros..depois da mãe passar dias vendo ela comer pouco, não dormir quase nada e mal pegar nos livros, ela enfim aceitou ir no médico. Quando a mãe perguntava dizia que estava tudo bem, os amigos perguntavam, ela também dizia que estava tudo bem, no fundo ela sabia que não podia ser verdade uma coisa que ela falava em voz alta pra tentar se convencer disso. Bem, a Mel levantou, tomou banho, pôs uma roupa qualquer, conferiu o calendário e lá estava escrito com letras grandes 'consulta no psicólogo'. Quando chegou no consultório, já tinha um menino lá esperando para ser atendido. A mãe sentou do seu lado e o menino estava na sua frente - e ele aparentava estar bem mais nervoso do que ela. Longos 20 minutos depois, e a porta do consultório abre, uma mulher muito bonita sai e o psicólogo a chama, ela levantou, mas fez questão de dizer que o menino estava esperando antes dela chegar, o médico só fez um sinal para que ela entrasse logo. A mãe ficou do lado de fora, bem, isso era novidade pra ela.

- Bom dia, menina!
Bom dia - respondeu ela, ainda meio tímida.
- Então, qual o seu nome?
- Melissa, doutor.
- Bonito nome!
- Então, como você está?
- Bem, suponho.
- E o que te trouxe aqui?
Ainda com vergonha e com medo de falar o que ela evitava ser dito, mas no fundo ela sabia que aquele não era lugar pra isso, e mesmo se ela dissesse a pior coisa do mundo, com certeza ele já devia ter escutado isso antes. Então ela respirou fundo, apertou mais ainda os dedos e com toda a força que tinha finalmente, disse:
- Eu sinto que eu morro todos os dias. É tudo um grande sacrifício da minha parte. Acordar, ir pra aula, estudar, sair, comer, é tudo tão repetido e cansativo. Eu já vivi isso centenas de vezes, não quero mais.
- Já pensou em se matar?
- Não. - o que soou estranho pra quem disse que viver é um sacrifício.
- Hum..e o que você gosta de fazer no lazer?
- Sair com os amigos, ler, escrever, assistir filme, dormir.
- E tem feito?
- Não. Sair com meus amigos parece uma obrigação. Não tenho concentração pra ler. Sem paciência pra escrever. E eu tenho dormido cada vez menos.
(...)

E assim continua a consulta da Mel. E milhões de perguntas iam entrando pela sala, quebrando o silêncio que ela tanto gostava, ela ainda assustada, algumas vezes as palavras não saíam, segurava as mãos porque estavam tremendo. Uma hora, o psicólogo vira para procurar um papel e ela então olha pela janela do consultório número 502 e há um edifício sendo construído do outro lado da rua. Ela pensa por alguns minutos que todas as suas emoções eram assim, tinham sido construídas, em ordem, uma coisa de cada vez e tudo que por acaso fosse dito, era medido e previsto. Agora, houve um desabamento. E a ordem dos fatos a incomoda, as emoções se misturam e ela precisa construir tudo de novo...tijolo por tijolo...emoção por emoção. Ela estremeceu só de pensar que pudesse haver outro desabamento quando tudo já estivesse bem, outra confusão, mais choro.
E é uma pena que diferente de edifícios, emoções não têm seguro.

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poética

segunda-feira, 6 de abril de 2009


de manhã escureço
de dia tardo
de tarde anoiteço
de noite tardo.

a oesta a morte
contra quem vivo
do sul cativo
o este é meu norte.

outros que contem
passo por passo:
eu morro ontem.

nasço amanhã
ando onde há espaço:
- meu tempo é quando.

Vinícius de Moraes

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